29 de março de 2024

Faz 60 anos... (5)

Vista aérea de Vitória em 1964, ano em que houve o golpe de Estado no Brasil. Triste ano! 

Para crianças e adolescentes a noite do dia 1º para o dia 2 de abril foi como outra qualquer. Para os adultos, não. Muita gente teve dificuldade para dormir por não entender exatamente o que acontecia. Ainda com o presidente João Goulart no Brasil a ditadura tomou sua primeira medida: investiu, de madrugada, Ranieri Mazzilli no cargo de presidente interino  onde ele ficaria 13 dias sem mandar em absolutamente nada, já que um triunvirato militar exercia o poder de fato. Estava sendo preparado o palco para a posse de Castelo Branco, o primeiro dos cinco presidentes que se revezariam no poder até 1985, quando o regime ditatorial, totalmente exaurido, se encerrou. No dia 2 de abril acordei cedo, fiz o que fazia todos os dias e depois de ouvir inúmeros conselhos da minha avó, fui para o colégio devidamente escoltado por Élia, a fiel empregada que atendeu à família por muitos anos.

No Colégio Americano os rituais de todos os dias foram seguidos. Os professores deram aulas, a cantina funcionou normalmente e havia por parte do corpo docente a preocupação de não se falar de política, sobretudo da deposição do presidente Goulart. Quem quisesse saber desse tipo de assunto deveria ouvir rádio, televisão e comprar jornais que tinham mais ou menos a mesma linha. Ou conversar com os pais. Meu avô chegaria em casa com o "Diário da Noite", do Rio de Janeiro, exemplar trazido por um amigo que chegou a Vitória de avião pela manhã, e a manchete dizia: "Decidiu o Congresso essa madrugada - Ranieri Mazzilli é o presidente" Todas as letras em caixa alta (maiúsculas). Esse jornal ficou anos lá na casa da família até que alguém sumiu com ele. Jogou fora.

A quase totalidade dos outros seguiu o mesmo caminho. Mas não todos. A história registra que três jornais defenderam o respeito à Constituição: "Última Hora", "A Noite" e "Diário Carioca", sendo que os dois últimos tinham poucos leitores. A revista "Fatos & Fotos" noticiou "A grande rebelião", tentando dar um verniz de imparcialidade ao noticiário. "O Cruzeiro", que chegaria à nossa casa, deu uma edição extra com "Edição Histórica da Revolução". E surgia assim o termo "Revolução" ligado ao golpe de Estado e que a imensa maioria dos meios de comunicação usou desde então, o mesmo acontecendo com os militares. "O Estado de S. Paulo" não perdeu tempo e noticiou: "Vitorioso o movimento democrático". Estava decidido que o governo Goulart era antidemocrático! Bebeu do próprio sangue: inconformado em ter censores na redação, o Estadão passou a se opor à ditadura, não substituía as matérias censuradas e no lugar delas colocava receitas culinárias ou poesias. Todo mundo sabia o que aquilo queria dizer. 

Eu, uma vez no colégio fiz o que sempre fazia todos os dias: vi as aulas com atenção, no recreio comi um sanduiche de mortadela e tomei um refresco de groselha (como gostava daquilo!), conversei muito com os amigos e mais uma vez não pude sair no intervalo. Estava no ginásio e sair do colégio entre as aulas - na maioria dos casos para fumar um cigarrinho - só era permitido aos alunos e alunas do científico. Coisas do velho Americano! E na saída do colégio, uma surpresa: meu avô foi me buscar para "escoltar" até em casa. Andava com seu passo apressado de sempre, praticamente me rebocando e pedindo para que eu me adiantasse. Queria me ver dentro da residência o mais depressa possível. À noite, juntamente com a TV, ouvimos um pouco de rádio e ele vaticinou: "O novo governo vai ser portador de um tempo de muita paz para o Brasil."

Ele nunca tinha sido bom de vaticínios!      

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